Assédio ou elogio? Argentinas lutam contra o piropo
Kelly Cristina Spinelli
De Buenos Aires
"Mamita, te chuparia toda", ouviu Ivana, aos 20 anos, quando
caminhava apressada por uma rua de Buenos Aires. Maryanne, por sua vez,
escutou um sujeito dizer que "adoraria levantar sua saia", quando fazia
seu caminho habitual para o trabalho. Amalia sentiu um outro agarrar
sua bunda com força, quando se deslocava até a casa do namorado. Luna
viu um taxista se masturbar ao volante logo depois de entrar no carro.
Ivana, Maryanne, Amalia e Luna são quatro das diversas mulheres
portenhas que compartilharam suas histórias com a organização Atrevete!
Hollaback, que há um ano é responsável por um movimento contra o assédio
nas ruas de Buenos Aires.
Chama-se "piropo", na gíria local, o tipo de comentário elogioso ou
erótico que se faz a uma mulher enquanto ela está caminhando pela rua,
que as brasileiras conhecem bem. Quem nunca ouviu um "ô gostosa" ao
andar pela rua que atire a primeira a pedra. Para a surpresa geral do
mundo masculino, nem toda mulher gosta ou se sente confortável com isso.
Inti María Tidball-Bin, responsável pelo Hollaback em Buenos Aires, diz
que há pesquisas que apontam que chega a 20% o número de mulheres que
sentem medo e mudam seus trajetos corriqueiros por causa do assédio.
O polêmico movimento Hollaback nasceu em Nova York, em 2005, a partir da
reunião de algumas dessas mulheres insatisfeitas. Elas consideram que o
piropo transforma mulheres em objeto, é comparável a qualquer outro
tipo de assédio, e cria um ambiente cultural propício à qualquer ato
violento mais grave contra as mulheres.
Nos Estados Unidos, o movimento convoca mulheres a divulgarem suas
histórias na internet e até fotografarem com seus celulares os caras que
lhes dirigem palavras agressivas. O movimento já existe em países da
Europa como Alemanha, França e Inglaterra, e se espalhou por diversos
países da América. Canadá, México, Porto Rico, Chile e Colômbia também
têm seus representantes.
Na Argentina quase não há fotos, mas a ideia do site é que as mulheres
respondam aos comentários ao vivo, caso não gostem, e desde que se
sintam seguras para isso. Inti reconhece que piropos podem ser
agradáveis ou provocar sorrisos em algumas mulheres e garante que o
movimento "não é contra os homens".
O site do Hollaback argentino, ainda assim, diz ser contra todos os
piropos, sejam positivos ou negativos. "O assédio nas ruas é indesejado
o combatemos. Por quê? Porque o piropo como expressão é, para nós,
sempre indesejado. É uma manifestação unilateral de desejo, de intenção,
de julgamento, que não pedimos e não nos interessa".
Nem todo mundo concorda. Em 2009, a Sprite fez um spot publicitário em
que dizia às mulheres: "nós sabemos por que você se cuida". Mostrava uma
mulher passando pela frente de uma construção enquanto os homens dali
lhe dirigiam piropos grosseiros, com faixas pretas sobre suas bocas e
um som de "piii" abafando o que diziam. O narrador comentava ao fundo:
"não importa quão marcadas são suas curvas, você sempre precisa
validá-las com alguém.
Quanto mais "piiis" há no piropo, mais você gosta".
Em 2010, um deputado do PRO, Enzo Pagani, fez um projeto de lei pelo
qual criaria "O Dia do Piropo", na Argentina, 15 de junho. Ambos
provocaram reações ferrenhas das feministas argentinas - inclusive em
grupos no Facebook e Twitter anteriores ao Hollaback.
No ano passado, a discussão ficou pior. Juan Terranova , um jornalista
argentino, criticou o Hollaback portenho em sua coluna na revista El
Guardián, chamando a representante do movimento de "obtusa".
Terranova escreveu que os piropos podem ser artísticos, que é difícil
estabelecer limites entre o elogio e o assédio e que Inti deveria se
preocupar com temas mais importantes como o assassinato de mulheres ou o
aborto. Terminava sentenciando que adoraria encontrar a representante
em um vernissage, para tomar um vinho e "cacetear" seu "argumento" (em
espanhol, "romperte el argumento a pijazos"). Em seu blog pessoal, disse
o jornal Página 12, a palavra "argumento" foi substituída por "bunda".
A Hollaback internacional fez uma campanha contra Terranova. Duas
grandes empresas retiraram a publicidade da revista El Guardián e o
Instituto Nacional Contra la Discriminación começou a avaliar se as
palavras do colunista eram discriminatórias. A revista pediu desculpas e
Terranova se retratou em seu blog, dizendo que não tinha a intenção de
ofender.
Ao final do mês, o diretor de El Guardián informou que o jornalista não
continuaria com a coluna por pedidos dos acionistas da revista.
Terranova publicou em seu blog que a coluna foi descontinuada por
pressão do Hollaback, que não aceitou seu pedido de desculpas. Discutiu
se a reação deveria ter chegado a esse ponto, por ferir sua liberdade de
expressão.
De lá pra cá, os ânimos se acalmaram um pouco. No mês passado, uma
comediante argentina bastante conhecida, Malena Pichot, levou ao ar no
programa de televisão Duro de Domar, um esquete sobre os piropos.
Propondo uma abordagem bem-humorada sobre a questão, deu de certa forma
sua contribuição para o movimento. Pode ser visto no link
http://vimeo.com/36509870.