BBC Brasil
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Os
conflitos entre moradores e militares e entre traficantes e agentes de
segurança no Complexo do Alemão (zona norte do Rio) nos últimos dias
refletem um desgaste 'natural' da permanência das forças oficiais na
área, mas não devem fazer com que o governo recue na ocupação de favelas
antes controladas pelo narcotráfico, dizem analistas.
No domingo,
moradores e militares entraram em confronto após uma discussão que
teria começado por causa do volume de uma televisão num bar. A briga
deixou 12 pessoas feridas, entre as quais dois soldados. Na
segunda-feira, moradores acusaram os militares de terem apagado as luzes
da rua e disparado contra a população, em retaliação ao conflito da
véspera. O Exército nega e diz que os moradores reagiram à prisão de
oito mototaxistas.
Na noite desta terça-feira, houve um confronto
ainda maior, quando cerca de 50 narcotraficantes invadiram o Complexo na
tentativa de retomar áreas das quais haviam sido expulsos quando as
forças de segurança ocuparam o local, em novembro. Houve tiroteio, e uma
jovem de 15 anos morreu ao ser atingida na cabeça.
Para analistas
ouvidos pela BBC Brasil, no entanto, ainda que os eventos recentes
indiquem a necessidade de aprimorar a estratégia de ocupação dos morros,
eles não tiram os méritos da política implantada pelo governo do Rio em
conjunto com as Forças Armadas.
Semelhanças
Gláucio Soares,
pesquisador do Centro de Estudos sobre Segurança e Cidadania da
Universidade Cândido Mendes, diz que os militares que atuam no Complexo
do Alemão não são treinados para lidar com 'pessoas em muitos sentidos
semelhantes a eles'.
'Quem serve o Exército no Rio são, em sua
maioria, praças que crescem e moram aqui, muito parecidos com policiais
menos qualificados e também com os traficantes'.
Essa semelhança,
afirma Soares, dificulta o estabelecimento de uma relação com o respeito
e o distanciamento necessários e gera desentendimentos, agravados pela
baixa escolaridade e pela inexperiência dos soldados. Por isso, ele
defende que os militares - bem como policiais que atuam nos morros -
sejam mais bem treinados.
O pesquisador diz ainda que, com a
ocupação do morro pelas forças de segurança, muitos moradores acharam
que suas vidas melhorariam em pouco tempo. A frustração dessas
expectativas, segundo ele, também pode ter provocado uma hostilidade
maior em relação às forças.
No entanto, Soares diz que os
conflitos não reduzem o sucesso da ocupação dos morros, que deve ser
encarada como parte de um processo que não colocará fim à violência de
imediato.
Segundo ele, as taxas de homicídio nas áreas ocupadas
baixaram drasticamente, e o crescimento das ligações ao disque denúncia
da polícia fluminense indica que a confiança entre as forças de
segurança e moradores tem aumentado.
'Pense em como seria caso esses confrontos tivessem ocorrido há cinco anos - quantos mortos estaríamos contando agora?'
Vazio institucional
Para
o sociólogo José Augusto Rodrigues, professor do Departamento de
Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), os
desentendimentos entre moradores e soldados são normais.
'As
pessoas que vivem nas comunidades passaram um longo período num vazio
institucional de lei e ordem e, assim como não tinham todos os direitos,
também não se habituaram a certas obrigações inerentes à cidadania,
particularmente em relação a posturas adequadas de convivência.'
Além
disso, Rodrigues diz que as forças de segurança ainda não encontraram a
melhor forma de se relacionar com a população, embora o Exército
brasileiro tenha tido sucesso em restabelecer a ordem em áreas
conflagradas no Haiti, onde o Brasil chefia uma missão da ONU para a
estabilização do país.
Segundo ele, os desentendimentos mostram
que a relação entre forças de segurança e moradores deve ser mediada por
civis, prática que já vem sendo adotada aos poucos em algumas
comunidades com Unidades de Polícia Pacificadoras (UPP).
Paralelamente,
diz o professor, o acesso desses moradores a políticas públicas -
possibilitado pelo fim do domínio dos traficantes - tende a tornar a
relação com os policiais mais harmoniosa a longo prazo.
Pânico
Quanto
à tentativa de invasão do Complexo por traficantes, ele diz crer que o
grupo busca gerar instabilidade e pânico para poder negociar com o
Estado uma repressão menor em outras áreas.
Para Rodrigues, no
entanto, 'o cálculo é equivocado, já que o mesmo comportamento levou à
invasão do Alemão pelas forças policiais - que não foi planejada, mas
sim uma resposta a uma série de ameaças, ataques e arrastões'.
Embora
elogiem os resultados da ocupação, tanto Rodrigues quanto Soares
afirmam ser desejável que os soldados do Exército sejam substituídos o
quanto antes por policiais militares de UPPs, treinados especialmente
para atuar nas comunidades.
'Havendo contingente de PMs treinados
para essas operações, é preferível que o processo de pacificação seja
passado para as mãos desse novo contingente', diz Rodrigues.
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